INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA: atendimento 24 horas?
Curitiba, 13 de fevereiro de 2021, escrito por Gilson Rodrigues. Depois do surgimento das conhecidas cracolândias nos grandes centros urbanos e de sua proliferação por outras cidades do interior e com o grande crescimento do número de dependentes de crack, as autoridades voltaram sua atenção para o problema, buscando na internação compulsória uma forma de promover o tratamento e recuperação dos casos mais graves.
As cracolândias acabaram se tornando um problema de saúde pública, já que o crack é uma droga que provoca dependência muito mais rapidamente do que outras substâncias psicoativas e mesmo os dependentes químicos que buscam se recuperar reconhecem que, sozinhos, não irão conseguir vencer o desejo compulsivo de consumir a substância.
Muitos procuram ajuda, seja dos familiares ou das autoridades, manifestando a vontade de passarem por um tratamento e, nesses casos, são conduzidos através de uma internação voluntária.
No entanto, para as autoridades e para os familiares, o maior problema são os dependentes químicos que não aceitam qualquer ajuda, preferindo conviver com seus iguais, perambulando pelas ruas e aceitando esmolas ou praticando pequenos furtos para conseguir a droga que precisam. Nesses casos, a principal opção das autoridades, como aconteceu em São Paulo, é fazer a internação compulsória, obrigando o usuário a passar pelo tratamento.
Sumário
Internação compulsória para dependentes é válida?
Substâncias como o crack são drogas que se mostram extremamente agressivas para o organismo do dependente químico, chegando ao ponto de não deixar que ele próprio entenda como sua situação está se tornando grave, seja física ou mentalmente, e o quanto o seu comportamento pode ser perigoso para si mesmo e para a sociedade.
Em muitos casos, a situação se torna mais grave e, com base no que vem ocorrendo, algumas pessoas ligadas ao governo apresentaram propostas de políticas públicas prevendo a internação compulsória para usuários de drogas que vivem nas cracolândias. Essa internação, segundo uma das propostas, deveria ser feita através de um diagnóstico médico, já que é uma situação prevista no Código Civil brasileiro, sendo um dos temas da Lei da Reforma Psiquiátrica.
A grande mudança com relação a essa condição é que a internação compulsória está prevista para determinados casos, quando a própria família ou pessoas ligadas a um dependente compulsivo tomam a iniciativa, e não como um caso de política de saúde pública, direcionado a todo e qualquer indivíduo integrante das cracolândias.
A proposta gerou polêmicas, havendo pessoas que se colocam favoráveis, alegando que pelo menos metade dos dependentes químicos são portadores de transtornos mentais, enquanto que outras consideram que cada caso deve ser analisado isoladamente, como prevê a legislação.
Muito embora o instituto norte-americano NIMH (Instituto Nacional de Saúde Mental) considere que os são portadores de transtornos mentais, existem instituições que são contrárias à internação compulsória, já que os dados do NIMH foram contestados em diversas situações.
Entendendo o que é a internação compulsória
A LEI Nº 13.840, DE 5 DE JUNHO DE 2019, estabelece três tipos de internação para portadores de transtornos mentais, considerando-se que os dependentes de drogas são também vítimas de problemas mentais:
A internação voluntária
Um dependente químico pode solicitar sua internação para tratamento de drogas, devendo, no momento em que for internado, assinar uma declaração de que aceitou a condição.
A internação pode ser interrompida a qualquer momento por solicitação do próprio paciente ou por alta determinada pelo médico responsável. No entanto, uma internação voluntária pode ser transformada em involuntária em alguns casos, não podendo o paciente deixar a clínica sem autorização prévia.
A internação involuntária
Uma internação involuntária pode ser solicitada pelos familiares ou por terceiros, desde que o pedido seja feito por escrito e autorizado por um médico psiquiatra. Esse tipo de internação só pode ser feito quando o dependente químico apresenta riscos para si mesmo ou para terceiros.
Contudo, a legislação determina que os responsáveis pela clínica onde o dependente químico esteja internado informem o Ministério Público no prazo máximo de 72 horas, evitando a possibilidade de que a condição seja considerada cárcere privado.
A internação compulsória
A internação compulsória não precisa de autorização dos familiares, devendo ser determinada por um juiz, depois de feito um pedido formal por um médico psiquiatra, que deve atestar que o dependente químico não possui domínio sobre suas condições psicológicas ou físicas.
O juiz pode determinar a internação compulsória depois de levar em consideração o laudo médico, as condições de segurança da clínica, os cuidados que o paciente deve receber, além da situação de outros internados e do próprio estabelecimento.
É evidente que a dependência de drogas provoca transtornos mentais e também é claro, na legislação, que os casos devem ser resolvidos individualmente. Para os familiares, a própria condição de dependência é bastante difícil, uma vez que estão vivenciando diretamente o problema.
Contudo, estabelecer a internação compulsória como medida de saúde pública é algo que extrapola os objetivos da própria legislação, uma vez que muitos pedidos se mostram totalmente desnecessários.
Em muitos casos, notou-se o acúmulo de pedidos de internação compulsória com interdição por incapacidade, o que leva a crer que existem interesses escusos por parte dos solicitantes.
A busca da saída para a dependência química
De acordo com o médico Gilberto Gerra, atualmente chefe do departamento de prevenção às drogas e saúde do Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC), a saída para a dependência química não é a internação compulsória, e sim uma assistência social mais voltada para o usuário de drogas.
Segundo o médico, o tratamento contra as drogas envolve terapias voltadas para a recuperação da saúde física e mental, buscando diagnosticar as verdadeiras causas do consumo de drogas, com pessoas capacitadas para promover o tratamento, além de oferecer condições para que o dependente químico possa retornar ao convívio social, como arrumar um emprego e encontrar uma moradia, se não a tiver.
Dessa forma, existe a necessidade de investir recursos para que o dependente químico tenha acompanhamento médico, além de proteção social, alimentação e trabalho. Evidentemente, os recursos disponíveis para a saúde, em nosso país, ainda são escassos, não atendendo nem mesmo as necessidades básicas de uma população carente.
Para o médico da UNODC, a internação compulsória é uma medida que deve ser tomada apenas por um curto prazo, justificando-se apenas quando o dependente oferece riscos para a sociedade ou para si mesmo, ou seja, quando apresenta um comportamento perigoso.
Gerra ainda defende que o dependente químico, mesmo depois do tratamento, tenha acompanhamento por parte dos especialistas, passando por exames físicos e psicológicos para detectar a presença de drogas e a necessidade de novas terapias. Assim, por exemplo, com relação ao auxílio oferecido pela prefeitura de São Paulo, sua recomendação é que sejam colocadas pessoas para fiscalizar se o dependente está usando os recursos para se manter e não para comprar drogas.
O médico é autor de um documento voltado para o tratamento dependente químico, denominado “Da coerção à coesão: tratando a dependência às drogas por meio de cuidados à saúde e não da punição”.
No documento, o autor afirma que o tratamento da dependência de crack ou de outras drogas não deve ser feito com medicamentos, mas sim com acompanhamento psicológico e psiquiátrico. De acordo com ele, é preciso ter atenção ao modelo de internação compulsória, que não deve ser transformado em uma rede de tratamento para tratar o problema das drogas.
Ao mesmo tempo, o médico Nicolas Campion Clark, da direção do abuso de substâncias da Organização Mundial da Saúde, afirma que a internação compulsória oferece o risco de criar uma barreira com o usuário, afetando sua confiança e, ao mesmo tempo, criando dificuldades para o tratamento.
Segundo ele, existem países com legislação semelhante o Brasil, autorizando esse tipo de internação, mas a condição é raramente aplicada, já que se verificou que, na prática, não funciona.
Para os especialistas em tratamento de dependência química, a melhor saída é fazer com que o dependente aceite o tratamento voluntário, uma vez que é bastante difícil forçar um usuário a se tratar. Quando se oferece uma possibilidade de o dependente se recuperar e ter alimentação, moradia e emprego, alguns podem agradecer e aceitar, enquanto outros vão querer continuar com sua rotina de vida.
A dependência e seus problemas
Para o médico da OMS, a dependência de crack é uma situação especial, que envolve não apenas problemas psicológicos, como também sociais, que devem ser conduzidos para tratamento através de ações multidisciplinares, além do próprio tratamento médico.
Os Estados Unidos e a Austrália, por exemplo, oferecem atualmente programas de tratamento voluntário que promovem a reconstrução da vida dos dependentes químicos, não oferecendo uma solução temporária, como é o caso da internação compulsória.
Assim, oferecer uma solução mais efetiva é possibilitar que o dependente químico faça algo diferente em sua própria vida, evitando que um usuário seja obrigado a passar por um tratamento sem que tenha consciência dessa necessidade, ou seja, é preciso aplicar um tratamento de saúde e não levar o usuário a uma prisão.
No Brasil, o pedido de internação compulsória deve ser feito ao Juiz da Vara de Família, uma vez que se estabelece que o dependente não se encontra possibilitado de decidir sobre sua própria vida.
O pedido é deferido em caráter de emergência e por tempo determinado, devendo o Ministério Público ser informado para que o dependente químico tenha toda a proteção necessária. O tempo de internação é estabelecido pelo médico responsável que, diante das reações do paciente poderá considerar a necessidade ou não de continuar com o tratamento.
A internação compulsória, portanto, quando determinada, deve ser feita pelo mínimo de tempo possível, uma vez que o paciente possui direitos previstos na própria legislação, como o direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de seu internamento involuntário.
Além disso, esse tipo de internação não deve ser atrelado à interdição, já que esta é uma medida ainda mais drástica. A interdição só pode ser determinada se ficar constatado que o tratamento não foi eficaz e que a dependência causou incapacidade para a vida social e familiar do usuário.
A legislação ainda estabelece que os dependentes químicos são incapazes relativamente a certos atos e, assim, em caso de interdição é necessário estabelecer os limites da incapacidade apresentada.
O problema da dependência química não deve ser enfrentado apenas através de um pedido de internação compulsória, e sim com a conscientização e o convencimento do usuário com relação à sua própria vida e às suas responsabilidades. É evidente que se trata de um assunto bastante polêmico e, em razão disso, há a necessidade de tratar cada caso individualmente.
Falta de informação: um dos maiores problemas da dependência
O Ministério da Saúde brasileiro acaba por se tornar um dos grandes responsáveis pela falta de uma solução para o problema da dependência química, principalmente porque são inúmeras as portarias cuidando do assunto.
A necessidade maior para enfrentar a situação, certamente, é a informação, levando as pessoas a entender melhor sobre como buscar um tratamento para a dependência química, sem precisar da internação compulsória, sobre as formas de tratamento e sobre os direitos do dependente químico.
Entende-se que o número de dependentes químicos, principalmente de crack, vem crescendo nos últimos anos em todo o país, e isso faz com que as autoridades se voltem para o problema, buscando uma maneira de minimizar as consequências. O que se pode estabelecer é que a informação pode ser mais eficiente, principalmente para crianças em idade escolar, evitando que se tornem novos elementos nas cracolândias espalhadas pelo país.
Ou seja, em vez de punir, é melhor prevenir. Mesmo porque, uma pessoa normal que encontra um usuário de crack pelas ruas, não sabe como agir, não sabe que atitude tomar e, em vez de procurar ajudar, sua primeira reação é fugir de uma situação que pode ser constrangedora ou agressiva.
A informação também é importante para que as pessoas normais vejam os dependentes químicos como seres humanos que precisam de ajuda, e não como párias sociais, que devem ser desprezados e deixados ao seu bel prazer.
A maior parte das pessoas comuns tratam os integrantes das cracolândias com preconceito e com descaso, e essa forma de visão não vai conduzir a nada. Muito pelo contrário, o próprio dependente vai se sentir desprezado pela sociedade e se tornar, com o tempo, ainda mais arredio a qualquer tipo de tratamento.
Internação compulsória é a solução para a dependência?
Como se percebe, a dúvida ainda continua, uma vez que alguns usuários de drogas simplesmente não aceitam ajuda, recusando-se, inclusive, a deixar as cracolândias. A internação compulsória, nesses casos, parece ser a melhor solução, mas, será que é realmente?
É importante entender que cada situação é diferente da outra e, mesmo que tenhamos histórias bastante parecidas entre os usuários, existem fatores que são particulares.
O futuro de cada dependente químico depende de suas próprias decisões, uma vez que ele possui o livre arbítrio. Enquanto o usuário de drogas estiver fazendo uso de suas faculdades mentais, a sociedade deve aceitar sua escolha, mesmo porque é ele quem vai arcar com as consequências.
No entanto, a partir do momento em que ele não apresentar controle sobre seus atos, a internação compulsória se torna o único meio de fazer com que ele tenha a possibilidade de retorno à normalidade.
Trata-se de um problema de difícil solução, exigindo por parte da sociedade a aplicação de recurso que possam trazer um bom resultado para o problema. A primeira condição para buscar uma solução efetiva, certamente, é tomando medidas preventivas, evitando que o número de dependentes químicos seja sempre crescente.
Prevenir a situação é ainda uma maneira de evitar a internação compulsória, mesmo porque o dever da sociedade é fazer com que seus integrantes estejam vivendo uma vida saudável e produtiva, e não apenas relegados a um segundo plano, de onde não podem sair sem ajuda externa.
A internação compulsória é uma medida drástica, que só deve ser adotada quando um dependente químico se torna perigoso, seja para si mesmo ou para as pessoas com quem convive. Ou seja, é uma condição que só pode ser tomada quando houver extrema necessidade, buscando resguardar a segurança e a vida do usuário ou de terceiros.
Como membros da sociedade, é dever de todos procurar uma forma digna de conviver com nossos semelhantes e, dessa maneira, é preciso considerar que a internação compulsória deve ser encarada como medida excepcional.
Certamente não podemos impedir que uma pessoa passe a consumir drogas, mas é possível prevenir que uma pessoa se torne dependente e venha a se tornar um problema social. Mesmo que a pessoa resolva usar drogas, no entanto, ela também deve ser conscientizada com relação às suas responsabilidades.
Como se trata de um assunto bastante polêmico, é preciso analisar cada caso individualmente, mesmo porque, quando se trata de um indivíduo consciente, é preciso respeitar sua vontade e manter sua autonomia com relação aos seus atos.
No entanto, não se pode admitir que uma pessoa continue usando drogas e causando problemas à sociedade. Infelizmente, a situação pode se tornar crítica, uma vez que a internação psiquiátrica se apresentou como solução depois que o problema foi instalado, sem que houve medidas preventivas.
Se você tem algum familiar que não aceita ajuda, procure o tratamento e encontre uma empresa de “resgate dependente químico”. O dependente, no futuro, vai agradecer.
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