Internado na juventude para não virar usuário de drogas

internado na juventude

Curitiba, 13 de fevereiro de 2021, escrito por Gilson Rodrigues. De acordo com as estimativas, uma vez que não há um levantamento concreto sobre o problema, existem mais de dois milhões de pessoas que consomem crack em nosso país. Esse número representa quase 1% da população. Uma grande parcela é formada por jovens, situação que se torna ainda mais preocupante. Nesse caso, um jovem usuário de drogas internado pode se livrar do consumo das drogas, principalmente o crack?

Como se trata de um problema que se torna mais grave, é necessário entender que não basta apenas ao governo fazer campanhas para o combate ao consumo de crack, mesmo porque as ações governamentais parecem não surtir qualquer efeito e, além disso, podemos constatar que existem muitas divergências entre os próprios profissionais que deveriam cuidar do problema.

Enquanto alguns consideram que levar um jovem a ser internado pode ser um meio para livrá-lo das drogas, enquanto outros consideram que o jovem não pode ter seus direitos suprimidos, ou seja, se não houver um consenso, indubitavelmente o problema vai se agravar ainda mais.

Para buscar uma solução é importante que haja a participação de toda a sociedade, mesmo porque se trata de dependência química, uma doença que é capaz de interromper os objetivos de milhares de adolescentes, desestruturando famílias e não respeitando fronteiras. O consumo de drogas, principalmente o crack, pode ser considerado um problema de saúde pública e de segurança e precisa ser encarado de frente.

Entre as drogas mais consumidas, o crack mostra-se como a mais perigosa, podendo gerar dependência em pouco tempo. Seu consumo provoca lesões cerebrais nos usuários que se tornam irreversíveis e, para aumentar ainda mais o perigo, é uma substância facilmente produzida, o que a torna mais barata e acessível.

Podemos constatar essa situação nas ruas das grandes cidades, onde grupos de jovens, adultos e até crianças se reúnem nas conhecidas cracolândias, colocando em risco não apenas sua própria vida, mas também a de terceiros, com pessoas agindo de forma violenta para conseguir um pouco mais da substância.

 

Internado para não ser levado à morte

Para a família que possui um filho  usuário de crack, a melhor solução é mantê-lo internado até que consiga se recuperar. Caso contrário, ele poderá ser conduzido à morte.

A Fundação Oswaldo Cruz realizou recentemente um estudo demonstrando que pelo menos 1/3 dos usuários de crack acabam morrendo, e não apenas pelo consumo da droga, mas por situações violentas em decorrência do consumo.

Além disso, os efeitos do crack no cérebro levam seus usuários à promiscuidade, causando uma série de outros problemas: gravidez indesejada e doenças sexualmente transmissíveis, principalmente AIDS, cujos índices vêm aumentando nos últimos anos.

Diante desse quadro, podemos entender que se trata de um problema da maior gravidade e que exige a atenção e o envolvimento de toda a sociedade. Um jovem internado e recuperado até pode ter recaída e isso nos leva a pensar que não basta apenas conduzir a tratamento, mas também cuidar para que não retornem a esse submundo.

Principalmente quando se trata de adolescentes, é imprescindível criar programas que possam manter esses jovens longe das drogas, aplicando o seu tempo nos estudos e em atividades que possam fazer com que se tornem pessoas responsáveis, voltadas para a busca da realização de seus sonhos e objetivos, evitando que possam entrar em um caminho sem volta.

Os pais, principalmente, devem dar especial atenção aos filhos adolescentes, mantendo um diálogo franco com eles, incentivando atividades que possam educar e não simplesmente deixá-los viver por sua própria conta, como acontece em grande parte das famílias atualmente.

Adolescentes são as principais vítimas do consumo de drogas

De acordo com as informações do Ministério da Saúde, a dependência química tem entre suas principais vítimas os jovens, a partir dos 13 anos. Diariamente, pelo menos 20 pessoas com menos de 19 anos são internadas em razão de transtornos mentais criados pelo uso abusivo de drogas e de bebidas alcoólicas.

Um adolescente internado é uma situação que vem se tornando cada vez mais crescente no Brasil. Os dados do Ministério da Saúde mostram que houve um aumento de cerca de 30% nesse tipo de internação e os adolescentes do sexo masculino formam a maioria, chegando a um índice de 75%. Ao mesmo tempo constata-se que a faixa etária mais vulnerável está entre 15 e 19 anos.

O governo tem tomado algumas iniciativas, como acontece, por exemplo, em São Paulo, onde uma lei aumentou o rigor da fiscalização em estabelecimentos que comercializam bebidas alcoólicas, aplicando multas a infratores que permitem jovens menores de 18 anos consumindo bebidas.

No Rio de Janeiro, já existe uma lei que mantém um usuário de drogas internado, desde que ele esteja vivendo nas ruas e sejam usuários de crack, mesmo contra sua vontade. Esses jovens são encaminhados a tratamento através da internação compulsória que, em muitos casos, pode ajudar na recuperação.

No entanto, a iniciativa carioca pretende atacar o fim do problema e não seu início. Um jovem usuário compulsivo de drogas chegou ao ponto de precisar ser internado porque, antes disso, começou a usar outras substâncias, principalmente bebidas alcoólicas, que são a principal porta de entrada para o mundo das drogas.

Constata-se, infelizmente, que as bebidas se tornam o principal motivador para que o adolescente passe a usar drogas mais leves, como a maconha, passando depois para as mais pesadas e chegando finalmente ao crack.

O Cebrid – Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas revelou os dados de uma pesquisa nacional, tendo colhido informações com 108 mil estudantes de escolas públicas e privadas. Entre os entrevistados, 60,5% deles disseram já ter tomado bebidas alcoólicas pelo menos uma vez, enquanto que apenas 0,6% afirmaram ter pelo menos experimentado o crack.

Constata-se uma diferença comparativa de 100 vezes superior de consumo de bebidas acima do crack. Ou seja, não basta apenas manter o jovem internado pelo uso abusivo de drogas, mas prevenir para que não chegue a esse ponto, combatendo o consumo do que leva o adolescente a querer experimentar o crack.

Nesse caso, é importante a participação de toda a sociedade. Assim, se o comerciante vende bebidas a menores, deve ser punido e, ao mesmo tempo, se qualquer outra pessoa tem conhecimento do fato, deve denunciar o estabelecimento.

Uso abusivo de drogas: prejuízos para a vida adulta

Segundo a Abead – Associação Brasileira de Estudo do Álcool e Outras Drogas, a punição a comerciantes é uma das formas de contribuir para que o jovem não entre no caminho da dependência química.

O jovem é naturalmente impulsivo. A ciência já constatou que o cérebro humano leva 21 anos para se formar completamente e a última parte que amadurece é o controle da impulsividade. Assim, para não obrigar uma família a ter um filho internado é necessário que se evite a principal porta de entrada para as drogas, ou seja, as bebidas alcoólicas.

Os estudos em torno do álcool constatam que, se uma pessoa começa a beber aos 21 anos, o risco de se tornar dependente químico é de apenas 9%, enquanto que, se começa mais cedo, na adolescência, aos 13 anos como é a média de início dos adolescentes no consumo de bebidas, as possibilidades de se tornar dependente químico e de ser levado ao consumo de drogas é de 50%.

Uma medida consistente para evitar que a dependência química se desenvolva é manter o jovem internado compulsoriamente para tratamento, até que possa retornar à sua família consciente de que deve evitar o consumo de álcool e de drogas.

Contudo, a luta deve ser não para ter um jovem internado, mas para evitar que seja levado a esse ponto. Para combater o mal, ele deve ser atacado em sua raiz e o jovem, portanto, precisa de seus pais e professores, além de orientadores que possam evitar que ele comece a fazer uso de bebidas e de drogas.

Jovem internado compulsoriamente: ainda uma polêmica

No Rio de Janeiro, a decisão de manter qualquer usuário de drogas internado compulsoriamente, quando em situação de dependência e de morador de rua, gerou uma grande polêmica entre estudiosos e especialistas.

Os profissionais que se dedicam ao tratamento de dependentes químicos são unânimes em afirmar que manter um jovem internado é a última alternativa para combater o consumo das drogas. Contudo, é preciso atender também os casos menos graves e, para isso, é essencial que os profissionais de saúde possam dar a assistência necessária a esses dependentes químicos antes que a internação seja a única saída.

O ex-Ministro da Saúde Alexandre Padilha, quando no exercício de suas funções, afirmou que é necessário muito mais do que apenas ampliar os serviços destinados aos dependentes de drogas de qualquer idade. Para ele, “o tratamento da dependência química é uma dúvida no mundo todo”. Segundo suas afirmações, os protocolos de tratamento não conseguem uma taxa mais alta de sucesso.

É evidente que manter um jovem internado durante determinado tempo para tratamento e, depois, simplesmente deixar que volte às ruas, não garante que o adolescente tenha uma vida saudável.

Mesmo porque o tratamento não é apenas realizado pelos profissionais especialistas em dependência química, mas sim de um conjunto composto por grupos de apoio e pelos familiares, que devem manter o adolescente no caminho mais adequado para que possa se desenvolver com saúde.

Nenhum dependente de drogas apresenta causas semelhantes ao de outro. Ao mesmo tempo, não se pode pensar em um único tipo de tratamento que possa oferecer bons resultados para todos os jovens dependentes químicos.

Não podemos, portanto, pensar que o jovem internado será um adulto saudável, mas sim que é preciso fazer diagnósticos individualizados para aplicar o tratamento em jovens dependentes químicos.

Mesmo entre os jovens, podemos encontrar aqueles que experimentam a droga, outros que são usuários mais frequentes, adolescentes com problemas familiares e sociais, pessoas que não possuem qualquer suporte da sociedade, e muitos outros modelos.

Dessa forma, não se pode estabelecer que qualquer tipo de medida tomada pelos órgãos governamentais possa trazer uma solução definitiva para o uso abusivo de drogas. Mais do que isso, é essencial que o jovem seja conscientizado, informado e, principalmente, que tenha melhores condições de desenvolvimento para não ser tragado pelo submundo das drogas.

Como aplicar um tratamento seguro contra as drogas?

Nesse ponto, nem o governo e muito menos a sociedade conseguem ter uma solução. O principal objetivo, certamente, é manter o jovem longe das drogas, mas não existe um meio que possa garantir que o adolescente não tenha contato com substâncias ilícitas ou com bebidas alcoólicas.

Podemos tomar como exemplo os Centros de Assistência Psicossocial, ou CAPS, que têm como proposta oferecer assistência de saúde e suporte social a dependentes de drogas. Contudo, os serviços públicos de saúde não oferecem uma logística confiável, principalmente quando os adolescentes são provenientes de classes sociais mais baixas.

A necessidade é estabelecer um modelo que possa oferecer todos os serviços exigidos para a recuperação dependentes de drogas sem que ele precise ficar internado. Ou seja, é essencial criar um método que seja efetivo e que possa acompanhar o adolescente, principalmente quando ele está em situação de risco e mais suscetível aos apelos dos prazeres temporários oferecidos pelas drogas.

Dessa forma, deve-se ter como meta oferecer um serviço que possa atender de forma mais abrangente, atendendo todos os grupos e todas as suas diferenças.

O National Institute on Drug Abuse estabeleceu alguns princípios que os serviços públicos devem oferecer para evitar o consumo abusivo de drogas. O instituto norte-americano atualmente reúne o maior número de pesquisadores de problemas de dependência química no mundo, disponibilizando todos os seus recursos na aplicação desses princípios:

O consumo de drogas na adolescência deve ser identificado o mais rápido possível e o adolescente deve ser encaminhado para tratamento assim que se descobrir;

Um adolescente usuário de qualquer tipo de droga pode se beneficiar da intervenção contra o uso abusivo, mesmo que ainda não tenha se tornado um dependente químico;

Qualquer consulta de rotina é uma excelente oportunidade para saber se o adolescente está ou não fazendo uso de drogas;

A pressão por parte dos pais e as intervenções das autoridades possuem um papel importante para que o adolescente seja internado, se necessário;

O tratamento deve ser individualizado, de forma a atender as necessidades de cada adolescente. Além disso, é necessário estabelecer um plano com base naquilo que os responsáveis descobriram, ou seja, aplicar medicamentos quando a situação exige, ou monitoramento constante para outros;

O tratamento contra as drogas deve ser feito com base nas necessidades do adolescente e não somente no uso da substância. O adolescente precisa de educação, de acompanhamento familiar e de apoio. Manter o jovem internado e submetê-lo a tratamento não resolve a situação;

No tratamento de recuperação durante a adolescência, a terapia comportamental se apresenta eficaz, principalmente porque o adolescente responde melhor aos incentivos emocionais, notadamente quando seu comportamento positivo é recompensado;

A família e os amigos devem fazer parte do tratamento e do acompanhamento do adolescente. No caso dos familiares, porque são eles os responsáveis pelo desenvolvimento do jovem. Essa responsabilidade não deve ser transferida para o Estado ou para qualquer outra entidade ou profissional, como o professor ou o psicólogo, por exemplo. Ao mesmo tempo, a família também deve ser incentivada e auxiliada para entender o que é a dependência química e como deve cuidar do adolescente;

É imprescindível identificar e tratar todas as condições de saúde mental que o adolescente possa apresentar para que o tratamento seja efetivo. Algumas doenças, depois de tratadas, melhoram de forma significativa o prognóstico e, dessa forma, é importante que o jovem passe por uma completa avaliação;

O tratamento deve abranger todas as questões possíveis, como risco de suicídio, violência e outras condições que o adolescente possa apresentar;

Durante o período de tratamento, internado ou não, é preciso monitorar o consumo de drogas através de testes de fios de cabelo ou de urina;

Manter o adolescente internado e em tratamento por um período de tempo adequado e dar continuidade ao processo é importante. Tanto o adolescente quanto seus familiares precisam estar conscientes dessa necessidade.

Quando não há controle eficaz, o tratamento não terá os resultados desejados;

O adolescente precisa passar por testes de doenças sexualmente transmissíveis, principalmente hepatite (B e C) e HIV, sendo levado a tratamento, no caso de ser um portador.

Esses serviços são necessários para qualquer tratamento de dependência química. Somente a prevenção não vai impedir que ele, como jovem e como curioso que se mostra nessa fase da vida, experimente qualquer tipo de droga e acabe se tornando um dependente químico.

 Se você tem algum familiar que não aceita ajuda, procure o tratamento e encontre uma empresa de “resgate dependente químico”. O dependente, no futuro, vai agradecer.

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Gilson Rodrigues de Siqueira

Formado em enfermagem, pós graduado, palestrante em dependência química, diretor e proprietário da Brasil Emergências Médicas, Visão Tattoo e escritor nas horas vagas.